segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Lost and Found 8: Dreamweaver

-Certo. Mas desde que matei minha esposa, tenho dificuldades para dormir... Vou ver se tenho algo que possa me ajudar com isso.-disse ele.

Ele pegou alguma coisa naquele baú e então foi para a cozinha. Vi ele enchendo uma chaleira de água e colocando para ferver junto com o que quer que fosse aquilo que ele pegou. Depois, serviu duas xícaras e bebeu. Fez uma careta e então voltou-se para mim.

-Depois disso, vou dormir como nunca. Você vai ficar me observando?

-Sim, preciso sentir o exato momento que você ruma para Oneiros

-Que seja... fui.

O humano deitou-se. Eu fiquei parado, concentrado. Eu precisava me sintonizar com sua alma no exato momento que ele fosse para o mundo dos sonhos, ou "perderia a viagem". Senti a alma dele deixando o corpo depois de alguns minutos. Era a hora.

Cheguei próximo ao seu corpo e toquei em sua testa.

Encontrei-me em uma enorme antecâmara. Era a mente do tal Stride. Caminhei e o encontrei encostado em uma coluna.

-Você vai achar um pouco esquisito, no início, mas depois você vai se acostumar... eu vou precisar segurar em sua perna... mas vai ser rápido.-eu disse.

-Eu tenho certeza que vai. Mas eu mudei de ideia quanto a isso, decidi que não quero mais levá-lo.

Um tentáculo de sombras formou-se do nada e foi na direção do humano...

... que segurou-o.

O que diabos estava acontecendo?

-O que é isso, mortal?-perguntei.

-Orgulho. Você é poderoso, mas cego. Você ACHA que eu tenho alguma intenção de ajudá-lo? Poderoso ou não, você é tão arrogante quanto todos os outros. Mas agora eu vou lhe mostrar o porque vocês, criaturas "superiores", são só um bando de idiotas.

Ele moveu sua mão e eu fui arremessado longe.

-Humano! Você me desafia?-perguntei, furioso.

-Não, mas você não poderia me derrotar aqui. Estamos em minha mente e, aqui, eu posso derrotá-lo. Eu sei o que você é, na verdade. Nem anjo, nem demônio: você é um espírito. E eu sei como lidar com você.

Ele estendeu a mão:

Spiritvm, exorcizo te. In nomine patris, filivm et spiritvs sanctvs, in dei nomine.Malleficvs spiritvs: vade retro!

Senti uma força impossível de deter arrancando-me da mente daquele humano. Maldito seja, eu vou dar um jeito nele um dia. As portas da mente dele se abriram para me expelir. Nessa hora, eu sorri.

-Do que você está rindo, Orgulho?- perguntou ele.

-Estou rindo de você, que acaba de me dar o que quero-disse eu.

Tão logo fui arremessado para fora, usei toda minha força para desviar-me do caminho... e fui arremessado dentro de meu objetivo.

Ah, Pestifera.

Eu estou ansioso para explorar seus infinitos e malditos cantos.

domingo, 28 de novembro de 2010

Lost and Found 7: Hunting High and Low

Hoje eu acordei com uma sensação estranha, como se alguém tivesse passado a noite inteira me observando. Sei lá, talvez seja uma maldita paranoia. Quando você faz inimigos diariamente e amigos uma vez por década, é comum perder um pouco da sensação de segurança.

Enfim, levantei da cama achando meu dia meio esquisito. Mexi no meu baú de armas, peguei meia dúzia de livros de magia e comecei a recitar uns versos, só por precaução. Hoje eu ia tirar o dia de folga, estava decidido. Era tão melhor antes de minha esposa morrer. Agora, minha folga resumia-se a encher a cara o dia inteiro, me sentir na fossa e torcer para que algum demônio revoltado estourasse a porta da minha casa e tentasse me matar.

Passei o dia inteiro com a sensação desgraçada que tinha algo me observando. Inferno, eu odeio meu trabalho. Meu dia foi uma bosta, como todos os outros, mas sem previsão de ação durante a noite. A maldita TV não tinha um programa que prestasse e, na minha última folga, eu dei com um taco de beisebol no meu rádio, então ele estava estragado. Era somente tédio, hoje.

Anoiteceu depois de uma eternidade, e eu fiquei com fome. Decidi comprar alguma coisa para comer e, porra, lá vinha eu sentindo que alguém 'tava me seguindo. Eu não sobrevivi tanto tempo sem dar bola pros meus instintos, mas não tinha ninguém mesmo e eu estava armado. Isso é paranoia, loucura...

... ou algum filho da puta realmente esquivo.

Comi uns dois cheeseburgers e voltei pr'aquela espelunca que eu chamo de casa. Abri a porta e entrei.

E tinha um desgraçado de pé no meio da minha maldita sala.

Não quis saber de palhaçada. Saquei as duas pistolas com silenciador e enfiei bala no desgraçado antes mesmo de ligar a luz.

-Impressionante.-respondeu ele.-Você não achou que fosse me ferir realmente, achou?

Otário. Puxei a faca e fui pra cima dele, mas o infeliz me deu um soco e me atirou do outro lado da sala.

-Senhor Stride.-disse ele.-Creio que esse seja seu nome, não?

-É, isso mesmo. Quem diabos é tu, porque tu tá me seguindo e, mais importante: como tu não tá morto?-retruquei.

-Eu sou mais do que você caça normalmente, humano. Não sou vampiro, lobisomem, anjo ou demônio. Eu sou um Eterno.

Caralho, eu tô fodido. Eu sempre achei que eles fossem lendas (todo mundo acha, na realidade). Só conheço de nome e sei que anjos e demônios MORREM de medo deles.

-Qual é seu nome, Eterno?-perguntei.

-Orgulho.-respondeu ele.

Maravilha, me sinto como se estivesse falando com um espelho megalomaníaco.

-Considerando que eu ainda estou vivo, você quer minha ajuda. O que eu posso fazer que o grande Orgulho não pode?

-Oneiros.

-Ah, o mundo dos sonhos. Porque diabos você quer ir lá?

-Não é pra lá que quero ir e não é da sua conta.

-Bom, vai ter que procurar outro idiota, eu não vou...

Um tentáculo de sombras surgiu do nada e me levantou pelo pescoço. Filho da puta, eu achei que ele só pudesse fazer coisas relativas ao Orgulho.

-Talvez eu tenha esquecido de citar que também sou conhecido como Senhor das Sombras. Agora ouça bem, mortal: eu não preciso matá-lo, mas não vai mudar nada na minha vida fazer isso, invadir o céu, pegar sua alma e entregar pro Lucifer. Por outro lado, se você for bonzinho comigo, eu posso deixá-lo vivo.

Maldito.

-Acordo feito.

-Ótimo. Agora vá dormir.

sábado, 27 de novembro de 2010

Pesquisas com animais

Ok.

Acho que tá na hora de por lenha na fogueira.

Acabei de ler um texto sobre testes e pesquisas em animais. O cara, que tava defendendo as pesquisas em animais, falou alguns absurdos como "produção de novos DNAs". Acredito que ele quis se referir à transgenia, uma outra situação passível de discussão. Não vem ao caso.

Eu vim aqui falar sobre pesquisas em animais, evidenciar os prós e contras... e dizer porque eu sou a favor.

Primeiramente, as pesquisas com animais são utilizadas há muito tempo. Segundo esse texto (http://www.ufrgs.br/bioetica/animhist.htm), escrito por um membro da UFRGS que trabalha com éticas em pesquisa animal, são utilizadas desde a antiguidade. Atualmente, existem numerosos estágios de pesquisa antes da pesquisa com animais: ninguém desenvolve uma droga nova e sai injetando ela em filhotes de coelhinhos branquinhos indefesos. Isso é recente: provavelmente, as drogas antigamente fossem testadas em loucos ou coisas assim. Considerando que o inventor da Lobotomia ganhou um prêmio Nobel pela ideia imbecil, eu não duvido de nada.

Droga é qualquer substância que induza mudanças somáticas ou funcionais. Medicamento é qualquer substância que, administrado no organismo vivo, tenha efeitos benéficos.

A questão do sofrimento dos animais é abordada há muito tempo dentro da própria ciência, mas ganhou força na população ultimamente com o crescimento do vegetarianismo. De fato, animais sentem dor, todos sabem disso. Pise no rabo do gato e ele mia, dê com uma cadeira no cachorro e ele late. Não é coincidência, ele não gostou disso. A ideia de "animais sofrem e plantas não" já não pode mais ser considerada válida: não se pode usar o termo "dor", mas as plantas tem formas de se comunicar umas com as outras e, principalmente, de avisar que "tem um desgraçado me mordendo e eu não estou me divertindo com isso". Nós não percebemos... mas as outras plantas da mesma espécie, percebem. Segundo um professor meu de Bioquímica, "se as pessoas pudessem ouvir os sinais químicos que uma folha de alface libera quando você atira vinagre nela, ninguém comeria alface".

Existe um grande princípio envolvido que é o bom e velho "a natureza NÃO EXISTE para nos servir". Isso é correto. Aliás, não acho que haja um "motivo" para a existência da natureza. Ela simplesmente surgiu. O ser humano é um animal como os outros, com a capacidade social e intelectual adaptada para um conjunto de situações. A criação de sociedades, a vida em grandes grupos e o uso de ferramentas. Até agora, nada novo para a natureza. Agrupamento de indivíduos existe desde as bactérias, sociedade com divisão de tarefas existe desde os Hymenoptera (ordem a que pertencem as vespas, formigas, abelhas e marimbondos), talvez até antes (quem souber, corrija-me), uso de ferramentas existe em outros primatas, mas as represas dos castores podem ser consideradas "ferramentas". O "raciocínio lógico", que a ciência não sabe definir muito bem, talvez seja uma das nossas características mais próxima de "exclusiva". A defesa dos animais é uma causa válida: existe muita tortura, justamente porque acreditamos que somos superiores. Não é idiotice ou "falso altruísmo": é algo sério e deve ser respeitado mesmo por aqueles que não se envolvem com o ativismo ambiental.

Voltando para o tema da postagem: pesquisas com animais. Sim, os animais sofrem. Sim, várias pesquisas machucam os animais. Não, a ciência não gosta disso. Um cientista não é alguém que estuda a vida inteira formas diferentes de torturar ratinhos, coelhos, macacos... não, definitivamente não. Pelo menos, não todos. Existem laranjas podres em todos os cestos, a ciência não seria diferente. Pesquisas com animais são situações complicadíssimas, especialmente quando se lida com os ditos "animais superiores": vertebrados, especialmente mamíferos. Ninguém nunca reclamou de pesquisas com moluscos ou do desenvolvimento de inseticidas. Isso é porque eles não sentem dor? Ops, não... porque eles sentem. Isso provavelmente se deve ao fato de que eles não GRITAM.

O grande problema das pesquisas com animais é o grito. Se você vê uma foto onde tem um caracol recebendo uma microinjeção ou uma lula dissecada, dane-se. Olhe a expressão dela: ela nem sabe o que está acontecendo. Isso é mentira.

Os animais que gritam, que fazem barulho. Esses são os coitadinhos.

As pesquisas com animais são IMPORTANTÍSSIMAS para a ciência. Podemos ser diferentes do rato morfologicamente, mas temos uma proximidade relativa com ele no quesito evolutivo. A existência dos mamíferos é relativamente nova, do ponto de vista geológico. Muitas drogas funcionam no corpo desses animais de forma muito semelhante a como funcionam no nosso. Não é exatamente igual, mas algumas vezes pode-se prever os resultados.

Praticamente TODOS os remédios desenvolvidos passaram por uma fase de triagem com animais, talvez até não haja exceção. Os Comitês que coordenam o desenvolvimento de novas drogas com o intuito de preservar a saúde humana são rígidos nesse aspecto. O teste com animais NUNCA é a primeira parte: na realidade, começa-se com culturas de células, ou seja: amostras de tecidos crescem em plaquinhas e então você aplica a substância nelas. Sem animaizinhos sofrendo.

Porque então não se usa somente isso?

Pelo mesmo motivo que impede as pessoas de viver tendo SÓ o cérebro ou SÓ os rins ou SÓ o fígado. Existe integração entre sistemas do organismo e, já que ainda não se pode simular isso in vitro, passa-se para a próxima fase do teste: pesquisas em animais.

Porque não se passa direto para humanos? Porque, bom, você dificilmente vai ver um leão caçando outro leão se tiver uma zebra por perto. Chama-se "instinto de presevarção". Se você fosse ser atropelado e tivesse um rinoceronte do seu lado, você provavelmente colocaria ele na frente, se conseguisse. É o instinto humano preservar o humano.

Mas a pesquisa é de humanos. Porque não usar humanos? Bom, a fome era do leão e quem se ferrou foi a zebra.

Meu exemplo foi infeliz, mas o que eu quis dizer é que a humanidade tende a se proteger. Existe um princípio na pesquisa chamado de 3 R's: Replace, Refine, Reduce. Replace significa substituir: ou seja, as pesquisas por animais DEVEM ser substituídas, sempre que possível, por outro modelo capaz de dar o mesmo resultado. Refine significa refinar, ou seja, a pesquisa não deve ser conduzida a menos que os dados provem que vale a pena seguir a pesquisa (sem consequências drásticas para o organismo). Reduce significa reduzir: o número de animais deve ser o menor necessário para provar a eficiência da droga ou medicamento.

A pesquisa com animais é importantíssima para evitar que drogas não-funcionais ou maléficas caiam no mercado, e MESMO ASSIM, com todo o rigor envolvido, nem sempre funciona. A talidomida é um exemplo: mesmo o teste com animais não indicou consequências. Imagine que SEM os testes com animais, um número ainda maior de mulheres teria tido seus filhos prejudicados pela droga.

Os métodos substitutivos que existem atualmente não são capazes de substituir a fisiologia, e é por isso que as pesquisas com animais persistem. Medicamentos não são substâncias boazinhas: a diferença entre cura e veneno está na dose. No caso de alguns antibióticos, a diferença pode chegar ao nível de 18 (não lembro a unidade) ser uma concentração de tratamento e 20 ser tóxica. Quase ninguém GOSTA de ferir animais para pesquisas, mas é um mal necessário até que se desenvolva outra forma. Sem a medicina e a farmácia, a humanidade está fadada a uma série de epidemias em larga escala: nosso sistema imunológico não conseguiria lidar com as diversas patologias que foram "globalizadas".

Ufa, cansei.

Se você leu até aqui, faça um comentário (provavelmente vai ser me xingando, mas dane-se).

Qualquer um que queira conversar mais sobre o assunto, sinta-se à vontade para fazê-lo.

Lost and Found 6: Different Worlds

Meus passos eram o único som além do vento do deserto. Até Loucura tinha me deixado. Eu tinha, em meu rastro, um Eterno fortíssimo, plenamente capaz de me derrotar. Eu precisaria de ferramentas se quisesse ter qualquer chance de derrotar Justiça. Mas as ferramentas em questão estavam acima do que eu poderia conseguir sozinho. O pacto com Lil'Siztah tinha sido um golpe de sorte, seria impossível derrotar o "anátema" sem a ajuda dela. Eu poderia tentar outro pacto, mas não teria o que oferecer.

Vou ter que pensar em algo diferente.

A morte de Conhecimento era novidade para mim. Eu não a senti. Meu vínculo com a Legião realmente estava diminuindo: eu sequer consegui sentir o desaparecimento de Mágoa. Eu ainda sentia Revés em algum lugar distante. Fúria também. Mas era isso.

Os seis pecados estavam juntos, eu também podia sentí-los. Mas nesse momento, eles poderiam fazer muito pouco por mim. Eu precisava de algo ancestral. Normalmente, eu iria atrás de Conhecimento para isso. Mas desde que brigamos, e agora que ele está morto, isso não era mais uma opção. Revés poderia prover-me com isso, mas ele tem seus próprios problemas agora: eu adoraria poder ajudá-lo, mas não posso fazer muito. Além disso, minha vida está em jogo e eu nem sequer sei como me defender. Minha mente trabalhava com diversas opções em paralelo, mas nenhuma delas tinha futuro. Inferno, Céu, Terra, nenhum mundo tinha para me oferecer o poder que eu precisava. Quando eu finalmente achei que ia viver o sonho, mergulhei em meus...

Como eu sou tolo. Como que pude não pensar nisso antes?

Eu tinha uma chance. Uma única chance. Uma lenda muito antiga, até mesmo para nós. Diz-se que quando a humanidade surgiu, criaram-se o mundo dos espíritos e o mundo dos sonhos. Animus e Oneiros, como nós chamamos. No entanto, como consequência do livre-arbítrio, também surgiu o mal, e com o mal surgiu um terceiro mundo. Algumas vezes, durante a viagem dos humanos para Oneiros, eles se perdem no caminho. Muitos o encontram de novo, mas alguns seguem a trilha errada. Eles entram em um mundo de dor, desgraça e perversão. Um mundo que surgiu das trevas e somente a elas pertence, um plano tão desolante que nem mesmo anjos, demônios ou Eternos entram lá sem ter um EXCELENTE motivo. O mal não vem de lá, mas serve de alimento para as criaturas sem sentido que lá existem. A própria Loucura evita aquele lugar.

Pestifera.

Ou, como nós conhecemos, o Mundo dos Pesadelos.

Eu posso não saber o que eu procuro.

Mas tenho certeza que, seja o que for, eu posso encontrar lá.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Lost and Found 5: Still Walk Alone

-Fúria, você está bem?-perguntei.

-Sim, estou... obrigado por salvar-me. Conhecimento foi capturado e morto. Eu fui capturado também. Mágoa está desaparecido. Inconsequência está sumido, também. E Revés... você deve saber dele mais que eu.-disse Fúria, cansado.

-Sim, Fúria. Felizmente, consegui alguns aliados...-respondi, com um sorriso.-Estamos em solo alto agora, meu amigo.

-Não "estamos", Orgulho. Você está.-disse ele.

-O que você quer dizer?-questionei, com um certo desespero na voz.

-Eu sinto muito, meu velho amigo, mas você não está sendo punido por nada que não tenha feito. Eu agradeço que tenhas me salvado, e minha lealdade por você jamais me deixaria atacá-lo de qualquer forma. Mas essa batalha não é minha, Orgulho.-disse Fúria.-Eu realmente sinto muito.

Fúria ergueu-se, abriu as asas e foi embora.

Então era isso. Sozinho. Salvei Fúria, salvei Revés, ajudei Conhecimento. Fiz tudo por todos os meus aliados. E, no entanto, no momento em que precisei, cá estava eu. Eu, uma Lâmina e Loucura. As três únicas coisas que nunca me abandonaram.

-Você não previu isso, Orgulho. Mesmo com a clareza que lhe dei. Sabe o que é isso? Chama-se confiança. Você contava com Fúria. Espera ainda ajuda de Revés. A culpa não é deles, Orgulho. Nunca foi e nem nunca será. Você não pode esperar que todos estejam sempre prontos para estender-lhe a mão.-disse Loucura.

-Você conviveu no isolamento por tempo demais, Eterna. Não venha me falar sobre companhia... seria o mesmo que eu falar com você sobre resignação.-respondi, com aspereza.

-Orgulho. As palavras lhe ferem mais do que qualquer Lâmina. Essa é sua fraqueza, meu querido. Você está afundando em um poço. Por vontade própria. Você está cavando sua sepultura, meu bom Orgulho, e não está dando motivos para ninguém visitá-la.

Aquietei-me. Loucura estava certa. Meus aliados afastavam-se de mim, por vontade própria. Conhecimento me deixou, Revés tentou me matar, Fúria deu-me as costas, Mágoa e Inconsequência sumiram, Esperança me traiu... Todos aqueles com quem contei deixaram-me. O motivo era um, somente: eu. O Orgulho não foi feito para contar com os outros ou para deixar-se dissuadir.

-Sua clareza trouxe-me uma nova visão, Loucura. O Orgulho sempre...

... há de caminhar sozinho.-disse a ela, e saí andando.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Lost and Found 4: Wrap Your Troubles in Dreams

-Orgulho, o que você fez?-perguntou Luxúria.

-O que eu tinha que fazer. Loucura pode salvar Fúria e isso é o que importa. Se eu detiver o Behemoth e salvar Fúria, meus problemas estão terminados.-respondi.-Saiam daqui, agora. Vocês não tem o poder para enfrentar essa criatura e ela com certeza está próxima de mim. Posso sentí-la. Posso sentir Fúria.

Os seis deixaram o local. Somente Loucura me fez companhia naquele deserto. O tempo passava e eu sentia a presença de Fúria. Minha mente funcionava ao mesmo tempo em várias instâncias: salvar Fúria, escapar dos olhos de Justiça, encontrar Revés, reunir-me com os pecados. Inúmeros planos desenrolavam-se ao mesmo tempo. Capacidade fascinante.

-Ele está perto, Orgulho. Detenha-o, mas não o destrua.-disse Loucura.

-Sim, minha cara.-respondi.

Pude ver a criatura aproximando-se, mas não pude ouví-la. A criatura caminhou até mim.

-Orgulho?-disse ela, com uma voz grave e monstruosa.

-Eu.-respondi.

-Você tem uma sentença de morte. Eu farei isso de forma rápida se você colaborar.-disse o monstro.

-Então receio que você vá demorar, Behemoth.-respondi.-Você me deve um aliado.

-Fúria. Sim, posso sentí-lo lutando. Mas a luta dele é inútil. Assim como a sua.-disse a criatura.

As enormes mãos do monstro voaram em minha direção, mas encontraram somente fumaça e sombras. Apareci nas costas da criatura, mas ela estava alerta. Uma de suas patas traseiras acertou-me um chute brutal no tórax. Fui atirado longe, mas abri minhas asas para encurtar a distância. Voei na direção da criatura, que correu na minha direção. Mas ele atravessou somente sombras.

Esse mesmo velho truque, que eu usei contra Scarecrow, nunca falhava. Apareci em cima da criatura e então cravei minha Lâmina em suas costas com cuidado. Não queria matá-lo, apenas enfraquecê-lo. O monstro moveu seu corpo forte para cima e arremessou-me de novo, mas dessa vez eu estava no controle. Lentamente planei até o chão.

-Maldito. Eu sou um Primordial. Tenho poderes que você nem sonha.-disse ele.

-Eu não sonho, Behemoth. Eu faço.-respondi.

Corri na direção do monstro, Lâmina Eterna em punho. Minha mente calculou, ao mesmo tempo, inúmeros pontos diferentes para acertá-lo. Seus braços ergueram-se para esmagar-me, mas fui mais rápido. Minha Lâmina percorreu o caminho até o peito da criatura, que tentou me segurar com um de seus braços. Ledo engano.

Teletransportei-me para trás da criatura nesse exato instante e então atravessei seu peito com minha mão. Um uivo de raiva ecoou de sua garganta. Não acertei seu coração, mas a enfraqueci.

-LOUCURA, AGORA!-gritei.

A belíssima dama andou até o monstro e então tocou sua testa. A criatura instaneamente aquietou-se. Loucura então recitou algumas palavras, enquanto eu tirava meu braço de dentro do monstro. Quando Loucura terminou de recitar, a criatura brilhou. Quando o brilho cessou, um Eterno encontrava-se caído ao lado do Behemoth.

-Fúria.-disse eu.

-Orgulho.-disse ele, fraco.-Você estava errado. Seus problemas não estão sequer perto do fim, meu amigo. Os seus problemas, de verdade...

...começam agora.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Lost and Found 3: Madness Caught Another Victim

-Permita-me fazer uma intervenção.-disse uma voz, razoavelmente próxima de mim.

Os seis outros pecados deram um passo para trás, mas um sorriso perpassou meu rosto. Aquela voz. Doce, suave, sedutora. Somente uma criatura no mundo tinha um chamado tão atraente.

Loucura.

-Sempre, minha "velha amiga". Fale suas palavras.-respondi.

-Orgulho, você não está pensando em...

-Cale a boca, Avareza. Você não sabe com quem está lidando.-respondi, rispidamente.

Loucura era uma mulher belíssima, com cabelos verdes e olhos de um profundo azul. Mesmo as asas e tentáculos não abalavam sua estonteante presença. Um toque dela era capaz de arrebatar até o mais poderoso dentre nós. Se essa fosse a vontade dela, logicamente.

-Orgulho.-disse ela, com um sorriso.-Você tem algo que eu quero.

-Tenho? E o que seria, minha doce companheira?

-Um behemoth.-disse ela.

Olhei com estranheza.

-Não, não tenho.

-Sim, meu querido, tem.-disse ela.-Ele está vindo encontrá-lo. Justiça colocou-o atrás de você. Ele é muito poderoso. Eu quero ele para mim. Preciso dele para minha coleção.

-Você não nos disse que tinha um Primordial caçando você, Orgulho.-disse Luxúria, em pânico.

-Eu não sabia, sua estúpida. Ou você acha que eu estaria aqui perdendo meu tempo.-respondi para ela.-Loucura, essa criatura não vai parar até um de nós estar morto. Não posso dá-lo para você. Eu preciso detê-lo.

-Uma pena. Fúria ficará realmente triste com você.

-Fúria? Onde ele está?

-Dentro do Behemoth.-disse ela, com um sorriso. Naquele momento, pude ver toda a insanidade fluir de seu corpo. Era uma força avassaladora. Todos caíram.

Menos eu.

-Salve Fúria e fique com o resto da criatura.-eu disse.

-Você tem um acordo, Orgulho.

Merda. Fazer um acordo com Lucifer era uma coisa, com Lil'siztah era outra coisa. Mas com Loucura, era demais. Ela poderia simplesmente decidir que não iria mais me ajudar. Mas eu não tinha outra escolha.

-Preciso de sua ajuda, Loucura.-disse eu.-Não posso fazer isso sozinho.

-Aproxime-se, querido.-disse ela.

Relutante, dei um passo em frente.

Rápida como um raio, Loucura segurou-me com seus tentáculos e então tocou minha testa com a sua mão. Gritei, me debati, mas nada fez ela me soltar. Senti minha mente sendo despedaçada em milhares de fragmentos menores, cada um deles auto-suficiente. Ouvi o Senhor das Sombras gritar quando ele próprio foi destruído. Senti infinitas coisas ao mesmo tempo.

Caí de joelhos no chão, com as duas mãos na cabeça. Nada fazia sentido, por enquanto. Eu pensava em inúmeras coisas e minha mente parecia incapaz de compreendê-las, mas aos poucos tudo começou a fazer sentido.

-A sanidade é boa, Orgulho, mas a loucura é uma bênção. Loucura é você pensar em tantas coisas ao mesmo tempo que nenhuma delas faz sentido em conjunto com as outras. Eu dou-lhe um presente: sua mente conseguirá pensar em inúmeras coisas ao mesmo tempo. Serás capaz de mergulhar no meio do absurdo e tirar dele tuas respostas. Pensarás no Universo todo ao mesmo tempo, compreenderá níveis de complexidade impossíveis para os outros. Dou-lhe essa clareza, mas levo, comigo, parte de tua mente.

Meus olhos abriram-se de novo e eu podia perceber tudo ao mesmo tempo. Sorri.

-Obrigado, Loucura.-disse eu.-O melhor dos presentes que já ganhei.

sábado, 20 de novembro de 2010

Lost and Found 2: Seven Deadly Sins

Eu realmente fui surpreendido, dessa vez.

Eu sabia que estava sendo perseguido. Na realidade, um dia isso iria acontecer. Quando você começa a matar aqueles que fazem parte da sua espécie, eles começam a ter medo. E quando um grupo tem medo, ele reage de forma desesperada. Assim, quando a matança de Eternos virou parte da minha rotina desgraçada, era lógico que, em algum momento, eles iriam perder a paciência comigo.

Eu esperava que fosse mais tarde, logicamente. Mas essa não era minha surpresa.

Seis Eternos estavam em minha frente. Um deles eu conhecia de épocas anteriores. Minha Lâmina, então, o conhecia muito bem e de forma profunda. Perfurantemente profunda.

Inveja, Ira, Preguiça, Gula, Luxúria e Avareza.

-Orgulho.-disse Luxúria, com um sorriso malicioso.-Confesso que você nunca foi dos meus favoritos, mas sua performance matando os nossos tem me estimulado a pensar muito em você...

-Poupe-me, Luxúria, você pensaria em um cachorro se ele estivesse próximo o suficiente.-respondi.

-Se fosse um cachorro atraente...-ela disse, mas parou.

-Então... vocês querem formar os Sete Pecados Capitais, é isso? E, logicamente, PRECISAM de mim.-disse eu.

Gula tomou a dianteira na resposta.

-Você sabe que queremos consumir a todos. E nosso objetivo condiz com o seu, Orgulho. Você não tem mais sua Legião: ela foi deliciosamente consumida pelo tempo. Já deve estar sendo digerida.

-Revés ainda me acompanha.

-E onde está ele agora?-disse Avareza.-Quero saber onde ele está, quero vê-lo, quero trazê-lo para nosso lado.

-Você quer coisas demais, idiota.-disse eu.

-Nós sabemos que você é poderoso e fatal, Orgulho. Quem dera um dia eu pudesse desfrutar dos poderes que você porta...

-O assunto não chegou a você, Inveja. Fique na sua.-respondi.

-Porque nós não paramos de discutir e esperamos para ver o que acontece?

-Porque, se fizermos isso, vocês vão todos morrer, Preguiça.-foi minha réplica.

-Orgulho, cale sua boca. Eu simplesmente não o aguento mais. Porque eu e você não resolvemos isso como Eternos?

-Porque, se fizéssemos isso, teriam que retirar você daqui com um espanador, Ira. Porque eu deveria me juntar a vocês?

-Porque nós somos tudo que você tem agora, Orgulho. Sozinho, você poderá atrasá-los... comigo, você pode fazer o que quiser.

-Luxúria, seja menos oferecida. Vocês pediram minha adesão, e não o contrário.

-Essa discussão vai muito longe se nós continuarmos com ela. Vamos deixar as coisas como estão.

De todos os seis, Preguiça era o que mais estava correto. E isso me irritava.

-A situação é a seguinte, Orgulho: você está sendo caçado. Nós queremos ajudá-lo. Queremos tê-lo ao nosso lado e conquistar o que é nosso por direito. O que nós merecemos como Eternos. Estamos cansados dessa situação desgraçada onde Céu e Inferno decidem as coisas. Queremos o poder. E você, por mais que lhe doa admitir que eu estou certo, também quer isso. No fim das contas, somos instintos presentes em tudo e em todos. Tudo que eu quero é que você admita isso.

-Vocês querem me ajudar para que eu os ajude a confrontar Céu e Inferno?-disse eu, rindo.- Insanidade é o nome disso, Avareza. Vocês são seis Eternos, dos quais um luta sem necessidade, o outro resolve seus problemas dormindo, um quarto comendo, um quinto se oferecendo, o penúltimo desejando e o último desmerecendo. A escolha de vocês é lógica: eu sou o único que faz algo que preste. Sejam realistas e me digam onde vocês acham que isso vai parar?

-Prefiro não me esforçar pensando nisso.

-Preguiça, aproveite que não gosta de fazer esforço e cale a boca.

-Chega dessa baboseira. Você vai juntar-se à nós ou não?

Se, por um lado, era uma grande idiotice, por outro eu iria ganhar seis imbecis pra morrer na minha frente. À exceção de Ira, nenhum deles era um guerreiro louvável, e essa situação só seria resolvida da forma antiga. Lâminas, punhos e mortes. Revés estava longe demais, mas eu sabia que podia contar com ele. Seria suficiente?

A quem eu estava tentando enganar.

-Considerem-me aliado. Vou dizer o que devem fazer.-disse eu, com convicção.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Lost and Found 1: Unleash the beast!

Quando você é fraco, você se esgueira.

Quando você é poderoso, você enfrenta.

Quando você é ridiculamente poderoso... você põe os outros para resolver os seus problemas.

Justiça moveu as mãos por cima de todos aqueles cadáveres. Lobo, coruja, gorila, serpente, morcego, águia, toupeira, gato... inúmeros animais. Cada um deles iria contribuir com alguma coisa para a sua criação que, no fim das contas, precisava de um último ingrediente. Esse estava separado.

Preso sob efeito de uma magia, encontrava-se uma montanha. Não era uma montanha normal, porém: era um Eterno. Um Eterno que completaria a receita: era forte, instável e, principalmente, íntimo daquele que Justiça queria caçar. O Eterno chamava-se Fúria.

-Foi difícil capturá-lo, Juiz.-disse Perversidade. -Por pouco não fomos abatidos.

-Eu não esperava tanta dificuldade de alguém como você, Fúria. Você me surpreende.-disse Justiça.

-Espere até eu sair daqui... e daí você vai ter problemas, seu burocrata de merda.-disse Fúria.

-Uma pena que isso não vá acontecer. O ritual está pronto. Matem-no.-disse Justiça.

Fúria lutou, mas a magia de Justiça era poderosa demais. A Lâmina de Perversidade entrou no "coração" de Fúria, que urrou de dor. Sua essência ficou presa na arma. Perversidade entregou o objeto ao ritualista, que proferiu uma única palavra antes de perfurar todos os corpos com a lâmina imbuída com a essência de Fúria.

-Behemoth.-disse Justiça.

A pilha de cadáveres brilhou quando uma criatura do tamanho aproximado de um elefante surgiu na frente do seu criador. O monstro ajoelhou-se.

-Invocaste-me, ser Eterno. O preço foi pago. Qual sua demanda?-disse o monstro.

-Preciso que me traga alguém que procuro. Tenho grupos procurando por ele, mas você é especial. Seus sentidos são excelentes, alguns dos melhores que encontrei em todo o mundo: trate de usá-los bem, fera.

-E qual o nome do pobre condenado, meu invocador?

Justiça sorriu.

-Seu nome é Orgulho. Agora vá... quanto mais cedo você chegar até ele, menos tempo ficará preso nesse corpo que limita seus poderes. Se você trouxer aquele Eterno, eu lhe libertarei.-disse ele.

-Você o terá muito antes do esperado, meu suserano. Vou-me.

E aquela criatura enorme correu em direção ao cheiro do Eterno que procurava, sem fazer sequer um som quando pisava no chão.

-Faro de lobo, olhos de águia, furtividade de coruja, tato de toupeira, audição de felino, sentido térmico de serpente, "radar" de morcego, força de gorila e descontrole de Fúria. Ah, Orgulho. Quero ver você sair dessa.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Lost and Found: Intro

Dor, Esperança, Revés, Senhor das Sombras, Verdade, Inveja, Ciúmes, Fanatismo, Serenidade, Perseverança... a lista era extensa.

Eternos tão diferentes um do outro, com convicções diferentes, pensamentos diferentes e quase nada em comum. As duas únicas coisas em comum entre criaturas tão distintas eram: sua natureza Eterna... e seu carrasco.

Minha Lâmina já fez verter mais sangue eterno do que eu poderia estimar. Inegavelmente, minha existência foi conduzida por um caminho de sangue e destruição, guiada única e exclusivamente por minha arma. Eu me tornei um guerreiro, como muitos de nós, e assassino como poucos. Entre os Eternos poderosos, meu nome causava desconforto. Entre os fracos, desespero.

E, no entanto, eu era somente um Eterno de poder mediano com alguns bons aliados.

O problema disso tudo é que quando você mata Eternos, você cria inimizades. Tudo bem, matar um ou outro vai lhe render meia dúzia de desapegos... mas quando você tem isso quase como profissão, a situação fica bem diferente.

E foi por isso que, quando eu menos estava prestando atenção, minha própria espécie decidiu punir-me.

E foi assim que começou uma Inquisição entre os Eternos.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

DESCALABRO SPIN-OFF: "Crescendos e Diminuendos"

Revés e Felicidade deixaram o recinto. Era eu contra uma das piores coisas que eu iria enfrentar em minha existência. Mas tudo bem, era uma missão simples.

Sair vivo.

Meu poder divino estava ainda esvaindo. Decidi aproveitá-lo enquanto era possível. Investi contra a criatura, Lâmina em punho, e golpeei-a com violência. Meus braços, porém, encontraram apenas o ar. O monstro esquivou-se e direcionou sua lança ao meu peito, mas somente sombras foram acertadas. Eu já estava longe.

-Você não é meu alvo, Orgulho. Desapareça da minha frente ou eu farei você se arrepender.-disse Scarecrow, com uma voz rouca.

-O que você espera? Que eu limpe o caminho? Eu perdi tudo... tudo. Os resquícios da Legião são tudo que sobrou. E agora você ameaça eles. Eu posso não ser capaz de destruí-lo... mas talvez eu seja capaz de enfrentá-lo.-respondi.

-Sua divindade não irá durar para sempre... ela está se esvaindo.-respondeu o monstro.

-Eu, na realidade, estou contando com isso.-repliquei.

A lança sombria de Scarecrow deixou suas mãos e percorreu o ar quase tão rápido quanto eu poderia vê-la. Com um salto, deixei a trajetória da arma e então aterrisei com os dois pés na cara do monstro. Aproveitei o impacto para pegar impulso e saltar para longe.

Mas uma mão segurou minha perna.

A besta atirou-me do lado oposto ao que tinha arremessado a lança. Colidi fortemente com a parede e, por um momento, senti que o fluxo de energia estava diminuindo. Eu estava voltando ao normal, e rápido.

Hora de ser idiota.

Corri contra a criatura, que correu em minha direção. Exatamente como eu queria. No exato momento em que nossos corpos deveriam ter colidido, somente um manto de sombras entrou em contato com o monstro. Teletransportei-me para sua lança, arranquei-a da parede e então libertei uma última emanação grotesca de energia que derrubou o castelo de Felicidade sobre as nossas cabeças. Segurei firmemente a arma, enquanto a criatura tentava inverter sua investida.

Tentou em vão.

-Revés...-disse eu, engasgado com meu próprio sangue.-Essa dívida é maior do que eu imaginava.

-Talvez eu possa ajudá-lo com isso, Orgulho.-disse uma voz, surgindo do nada.-Afinal de contas, Revés pode ser seu irmão... mas também é meu filho. E eu agradeço o que fizeste por ele.

Ri enlouquecidamente quando ouvi aquela voz. A gargalhada de alguém que encontra consolo no desespero, triunfo na desgraça. Uma mão forte segurou meu braço e então puxou-me dos escombros.

-Vamos embora rápido, antes que ele levante. Deixe essa arma aí.-disse o dono da voz.-Você está um bagaço.

-Adoraria que sua intervenção tivesse vindo antes, meu bom e velho amigo Caos.-respondi, com um sorriso de incredulidade.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Deathmarks X (FINAL): Abandoned

-Você vai viver, Orgulho. Isso que eu quis dizer.-respondeu Guerra.

-É... vou ter tempo parar remoer minha derrota.-respondi.

-Muito bem, não é da minha conta. Nosso acordo foi cumprido, então... - começou Guerra, mas parou.-O que é isso?

Uma energia azul pálida começou a emanar de mim. Eu sentia meu poder diminuindo, mas aquilo não me preocupava.

-Poder.-respondi.

-Você está me desafiando, Orgulho?-disse Guerra, levando a mão à espada.

-Não. O poder que me foi dado está sendo tomado de volta. Lil'siztah.-expliquei.

-A dançarina dos túmulos. Bem pensado. Como você teve acesso aos Contos Esquecidos?

-Conhecimento. Ele é meu aliado. Ou melhor, era.

-Você realmente está perdido, não está?

-O universo vai parar de fazer piada com a minha desgraça? Nosso acordo está cumprido, Guerra. Deixe-me sozinho.

-Certo... só acho que você deve presenciar algo, antes.

Gritei de dor quando minha cabeça foi invadida por inúmeras imagens. Dezenas de sombras escuras enormes e, silhuetas brancas gigantescas e, no meio disso tudo, um vulto cinzento correndo e empunhando alguma coisa que brilhava sinistramente.

-O que diabos é isso?-perguntei.

-As sombras são demônios. As silhuetas brancas, anjos... e a sombra cinzenta... é Revés.-disse ele.

-O que ele está fazendo entre essas criaturas?-perguntei.

-Nada de bom, você deve imaginar. Eu lhe ofereci essa visão como recompensa: você tem a chance de seguir sozinho... ou de refazer a Legião. Vai fazer uma escolha?

Revés. Eu ainda quero algumas respostas dele e ainda quero tentar refazer a Legião. Por outro lado, eu estive em desgraça e ninguém de meus aliados tentou me ajudar. Eu fui para o Inferno sozinho, voltei sozinho e só consegui ajuda de Conhecimento a contragosto. Eu não desisti da Legião, mas ela desistiu de mim.

-Minha escolha já foi feita, Guerra.-disse eu.

domingo, 14 de novembro de 2010

Deathmarks IX: No Pain for the Dead

-Eu, Orgulho.-disse ele, com um sorriso irônico.

Inúmeras perguntas percorreram minha mente, todas querendo ser feitas de uma vez só. A única que saiu foi...

-Como?-perguntei.

Dor sorriu e ergueu-se.

-Você, Orgulho. Você me deu esse presente. Você criou esse reino ao matar Esperança... o Anátema que veio até aqui era poderoso, mas eu fui mais. Eu o prendi. Metade de seu poder ficou comigo e a outra metade ficou na jaula. E então você me faz mais um favor.

Tremi de raiva.

-Perseverança. Você trancou o Anátema dentro dela e então soltou-a contra mim. Você sabia que eu iria matá-la.-respondi.

-Não. Eu achei que ela fosse matar você. Mas o fato de você estar matando todos esses Eternos trouxe mais alguém para meu lado. Você imagina quem.- disse Dor, com um sorriso cínico no rosto.-Quando eu soube que Guerra esteve atrás de você, foi como degustar a perda de um jovem promissor. Que sorvo! Alguém finalmente iria completar a lição que eu queria dar em você.

Ele estava revelando que, basicamente, tudo que fiz foi para levar-me até aquele ponto. O desgraçado, de alguma forma, conseguiu aproveitar-se das situações que eu criava de uma forma tão magistral que, mesmo agora, que eu sou um deus, ele me derrotou.

De novo.

-Ora, sorria Orgulho! Cadê suas palavras ásperas, suas ofensas ferinas? Você minguou perante tão sórdida obra minha? Será que eu toquei na ferida?-disse ele e, com um tom ainda maior de sadismo na voz, completou.- Será que eu feri o seu orgulho?

Sem reação. Minhas mão direita buscou minha Lâmina e então segurou-a com firmeza.

-Você perdeu, Orgulho. Você perdeu a Legião, você perdeu Perseverança... tudo que você perdeu: fui eu quem tirou de você. Xeque-mate.-disse ele.

Meus olhos o encararam.

-Dor. Sim, talvez você tenha vencido a guerra. Mas essa última batalha, ah... essa última será minha.-disse eu.-Eu não posso matá-lo, mas posso puni-lo.

A promessa. Eu não poderia matá-lo, ainda mais agora que minha culpa tinha atingido seu ápice.

-Você não pode me matar porque lhe falta o poder, Eterno. Eu transcendi a condição de Eterno, deixei essa situação amaldiçoada para trás e agora tornei-me acima disso. Eu não sou mais o mesmo que você.

Um sorriso correu meus lábios pela primeira vez.

-Agora eu posso matá-lo.

Corri em sua direção, com a Lâmina em punho. Dor espalhou seus tentáculos para pegar-me, mas arranquei-os impiedosamente. Não me importava com o fato de que eles voltariam: eu só queria a cabeça daquele desgraçado. Ele golpeou-me inúmeras vezes, com força capaz de matar um anjo. Mas eu era mais que isso.

Lutei como tinha lutado poucas vezes, com um poder que nunca tinha tido. A terra ao nosso redor tremia de agonia: o medo emanava de onde estávamos. Mais de uma vez, as inúmeras Lâminas de Dor tentaram terminar minha existência, mas eu as desviava com uma devoção fanática. E então, aconteceu: durante um golpe precipitado, as Lâminas encontraram um alvo.

Mas já era tarde.

Senti minha Lâmina vibrar intensamente quando ela perfurou o pescoço de Dor.

-Não há dor para os mortos, Dor.-disse eu.-Você imagina como isso dever ser?

-Deve ser como a paz que você nunca vai encontrar, Orgulho.-disse ele.

Um feixe de luz surgiu da Lâmina e então o corpo de Dor explodiu. A explosão atirou-me a uma distância considerável e abriu uma cratera gigantesca no lugar da antiga Terra Desolada. Meus olhos demoraram a abrir-se e então, quando eles abriram, sentei-me no chão.

-Você venceu, Orgulho.-disse Guerra, atrás de mim.

-Não, Guerra... eu perdi.-respondi.

Deathmarks VIII: You Will Always Walk Alone

-Seu poder é enorme... mas temporário. Use-o sabiamente, Orgulho.-disse ela.

Impressionante. Eu sentia o próprio tecido da realidade moldar-se ao meu redor. Minhas asas abriram-se e cortaram os ventos, quase mais rápido do que eu conseguia me orientar. O Pesadelo me seguia, mas ficou para trás. Então isso é ser um deus? Tentador.

Mas eu tenho uma missão a cumprir.

A Terra Desolada começou a ficar cada vez mais próxima. Pousei e então observei. Meus olhos percorrem o horizonte, mais visionários do que nunca. Meus sentidos estavam loucos, mas alerta. A sensação era arrebatadora. Minhas mão direita fechou-se e desceu como um martelo em direção ao chão.

Uma cratera mais ou menos do meu tamanho formou-se ao redor do ponto de impacto e eu caí dentro dela. Dei uma risada, como uma criança que acabou de ganhar um brinquedo melhor do que o que tinha antes. Saltei para fora do buraco e caminhei em direção ao ponto central da área, onde eu sabia que encontraria o Anátema.

Essa era uma das primeiras vezes que eu rumava para uma situação como essa sem auxílio nenhum. Sem a Legião, sem ninguém. Sozinho. Parecia ser diferente, mas era a mesma coisa: eu talvez esteja um pouco incomodado por saber que Revés estava vivo de novo (de fato, eu tenho certo receio de encontrá-lo de novo). Quem sabe, depois disso tudo eu possa encontrá-lo e equilibrar as escalas que ficaram pendentes...

Os primeiros oponentes apareceram. Uma fileira com vinte, talvez mais. Espíritos inferiores, que eu seria capaz de matar sem esforço mesmo antes. Mas agora, eu quero testar meus brinquedos.

Varri o ar com a mão direita e inúmeras adagas feitas de sombra surgiram e atacaram as criaturas. Metade dos espíritos sumiram instantaneamente. A outra metade continuou a investida.

Um sorriso correu meus lábios.

Minha Lâmina anseava por isso, e quem sou eu para negar algo a ela? Saquei-a e então comecei o massacre. Percorri a distância que me separava deles muito antes que as criaturas soubessem o que estava acontecendo. Nenhuma arma tocou meu corpo e, antes que eu pudesse começar a me preocupar, a batalha tinha acabado.

Não preciso me deter a todos os detalhes de minha viagem. Enfrentei monstros gigantescos feitos de carne podre, espíritos malignos capazes de fazer um Eterno mais fraco tremer de medo e bestas que, até hoje, eram lendas para mim. E, mesmo com todos esses oponentes, nenhum golpe acertou-me.

O golpe que realmente me acertou foi quando eu vi quem estava sentado em um trono pestilento cercado por tochas no centro da Terra Desolada. Não acreditei. Era impossível, não existia algo assim.

Não era um Anátema.
Não era um deus.

Era um Eterno.

-Ah, Orgulho. Eu já lhe agradeci alguma vez pelo imenso presente que me deste?-disse ele, com um sorriso no rosto.-Porque, se ainda não o fiz, não me deixe esquecer. Você realmente sabe como agradar os Eternos, não sabe?

Minhas mãos cerraram-se tão rápido que a onda de choque derrubou e apagou as tochas. Minha mão direita voou na bainha da Lâmina, enquanto eu encarava, lívido de ira, aquela criatura. Minha boca retorceu-se de nojo ao pronunciar aquele nome.

-Dor.

sábado, 13 de novembro de 2010

Deathmarks VII: Dance on the Graves (Lil'Siztah)

-Orgulho... não faça isso.-disse Raziel.

Voltei-me para ele.

-Guerra quer minha cabeça. Outros Eternos querem minha cabeça. Lucifer quer a minha cabeça. A única coisa boa que poderia resultar disso seria essas três "equipes" decidirem lutar até a morte pra ver quem arranca o maior pedaço! Ninguém nunca sentiu sua falta, Raziel, ou teriam ido buscá-lo. Eu sinto muito, mas não preciso nem dizer quem eu vou escolher entre nós dois.

-Você está me irritando, Eterno. Meu tempo é precioso e se você continuar desperdiçando-o, os outros vão chegar tarde demais para coletar sua cabeça.-disse a deusa.

Eu sabia. Não existe cortesia entre divindades psicóticas.

-Minha oferta é Raziel, Antigo Príncipe dos Querubins, um dos 7 anjos mais poderosos que já existiu e prisioneiro estimado da Estrela da Manhã.

Lil'Siztah flutuou até ele e o observou. Sua mão tocou o anjo, que gritou de dor.

-Sim. Delicioso, Orgulho.-disse ela.-Mas o que você quer em troca disso?

-Eu preciso do poder necessário para destruir um Anátema.

Ela sorriu.

-Você deseja que eu o transforme em um deus e tudo que me oferece é uma pomba de asas grandes? Você me insulta, Orgulho!

-Eu preciso do poder para destruí-lo... somente até eu destruí-lo. Retire o poder que me deres depois que minha missão terminar. Eu o trouxe pessoalmente do Inferno, enfrentei perigos incontáveis... e nunca precisei ser um deus para isso. Mas agora, pelo menos por alguns momentos, eu preciso. Essa é minha troca: Raziel é seu para sempre... se um poder como o seu me servir durante alguns momentos.

-Meu tempo é precioso.-disse ela.

-Precioso, sim... mas também infinito.-respondi.

-Quero também que você se desfaça da adaga.-disse ela.

Hesitei. A adaga de Revés era meu único vínculo com ele, atualmente. Eu sabia que ele já tinha retornado, mas não conseguiria ainda encontrá-lo pessoalmente. Não tenho ideia de qual poderia ser a reação dele e nem a minha.

-Um pedido reles, Lil'Siztah.-disse eu.- Existe algum motivo real para isso?

-Destino.-disse ela.

Merda. Era a resposta que eu não queria.

-Aceito. Me desfaço da adaga e dou-lhe Raziel pelo poder para destruir um Anátema.

-Pacto selado, Orgulho. Aproxime-se.

Os dedos dela estalaram e então a adaga sumiu em chamas. Pude sentí-la no Inferno, mas não tinha ideia de onde. Longe demais para eu ir buscar, era minha única certeza. A seguir, Raziel gritou enquanto seu corpo transformava-se em uma substância luminosa. Aura. Lil'Siztah bebeu tudo e então olhou para mim.

-Sua vez.-disse ela.

No momento em que ela tocou em mim, eu desejei que me matasse. A dor era excruciante, eu sentia cada minúsculo fragmento de meu corpo explodindo, crescendo, aumentando. Tentáculos de sombra projetaram-se do chão e tentaram impedir a deusa de continuar encostando em mim, mas a força dela era inigualável. O poder tinha um preço: a dor. A única coisa que leva ao poder é o esforço, e o esforço sempre traz dor. Naquele momento, eu estava sentindo a dor necessária para que eu me tornasse um deus. Senti meus corpo rompendo inteiro, como se eu estivesse trocando de pele. Minha essência explodia dentro de mim mesmo e a onda de choque servia como uma rede de navalhas que destroçavam tudo ao seu redor.

Quando aquele toque maldito deixou-me, eu pude sentir minha própria Aura fugindo de meu alcance.

Eu, agora, sou uma divindade.

Deathmarks VI: Silent Goddess

Uma montaria não seria má ideia, na realidade, especialmente uma dessas.

-Eu sou seu novo cavaleiro, Pesadelo. Estamos de acordo?-perguntei.

A criatura acenou a cabeça.

Raziel começava a recuperar a consciência lentamente. Pude sentir seus poderes voltando ao normal. Droga, eu não tinha tanto tempo quanto achava que teria. Era melhor eu ser rápido.

Abri um portal e então atravessamos, os 3. Montei o Pesadelo e então ele correu na direção que ele sabia que era a correta. Pesadelos não são muito inteligentes, mas conseguem se vincular ao seu cavaleiro mentalmente. Ele sabia para onde eu queria ir.

Eu rumava para o maior cemitério que já existiu. Um local conhecido para Raziel.

O ponto onde Lucifer caiu.

Conforme avançávamos, Raziel ia se tornando lúcido. E preocupado.

-Orgulho. Porque você fez isso?-disse ele.

-Porque eu preciso.-respondi.-Como você está se sentindo?

-Totalmente recuperado.-disse ele.

-Não minta para mim, Raziel. Você não me assusta: eu sei que seus poderes não voltaram ainda. Não blefe comigo, porque você está em desvantagem.

Ele ficou quieto.

-Onde estamos indo?-perguntou ele.

-Planície do Lamento.-respondi.

-Mas lá é onde...

-Sim, eu sei. Você vai me dizer algo que eu não saiba hoje, ainda?-perguntei, irritado.

Ele ficou quieto.

A mudança na atmosfera do mundo espiritual me avisava que estávamos na Planície. Um clima pesado de apatia abateu-se sobre nós. Parei o Pesadelo, desci e então ajudei Raziel a descer. Saquei minha Lâmina.

-Raziel. Eu não sou sua salvação, mas busquei-te em teu sítio de condenação. Infelizmente... é a minha existência ou a sua. Sinto muito por isso.-disse eu, e antes que ele tentasse fugir, tentáculos de sombra prenderam-no.

Deixei meu braço em ângulo reto, paralelo ao chão e com a Lâmina apontada para baixo. Fiz um corte profundo na outra mão e deixei o sangue fluir.

-Lil'Siztah, que nos túmulos dança. Ouça meu chamado. Avalie minha oferta. Dê-me o que preciso ou então puna-me pela insolência, mas apareça... pois eu lhe chamo.

O vento rugiu forte. Nuvens de tempestade se formaram e então eu vi esqueletos se desenterrando. Eles formaram um círculo e então cada um deles recebeu um instrumento musical. E eles começaram a tocar.

Uma valsa.

A aparência de Lil'Siztah é muito mais assustadora do que qualquer outra coisa que eu já tivesse visto. Ela veste-se como uma noiva, mas seu vestido é metálico. Seus olhos são completamente azuis, sem íris nem pupila. Seus dentes são como os de um vampiro, mas ao invés de 4 caninos, sua boca tem 16. O cabelo é longo e roxo, e parece ser carregado pelo vento com muito mais facilidade do que cabelos normais. E seus pés, gelados e sem vida, nunca encostam o chão.

-Estou aqui, Eterno.-disse ela, com uma voz assustadoramente doce.-Faça seu pedido... e sua oferta.

A Dançarina dos Túmulos.

Hora da barganha.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Echoes of Tragedy (Shadowlord Interlude)

(Algum tempo atrás, pouco antes do fim de Leaves' Symphony)

Deixei minha arma pender de minhas mãos tão logo o corpo no qual ela estava cravada sumiu.

Meus olhos fecharam-se, minha mente retorceu-se. A Legião estava entrando em colapso. E, junto com ela, eu também. Caí de joelhos no chão, lágrimas de sangue quase deixando meus olhos. Meus punhos cerraram-se e socaram o chão. A terra ao meu redor tremeu e um enorme círculo de areia ergueu-se ao meu redor e então caiu sobre mim. Mas a situação tinha saído do controle, essa tinha sido minha última e mais esforçada tentativa. Outro soco. Outro círculo. E nada de novo sob o mesmo escaldante e amaldiçoado sol.

Ergui-me, pois sou Orgulho e não posso ficar caído. Bradei infinitas vezes contra os céus, contra o destino... contra tudo e todos. Eu queria que Revés estivesse aqui para me ouvir, ou Conhecimento, ou Fúria... mas eles não estavam. Eles tinham me deixado, e eu agora estava sozinho. A decadência abateu-se sobre mim e, naquela conspiração, eu tinha sido traído por minhas próprias emoções. Se eu um dia soubesse quem Dor planejava usar para me destruir, teria degolado aquele bastardo filho da puta muito antes de ele sequer usar sua língua ofídia para me deter. Mas ele me derrotou: o bastardo me derrotou.

O cadáver, já sumido, de Perseverança não era minha preocupação. Não, Perseverança era a marionete na longa corda. Eu não vi isso, não estava pronto para isso. Ela veio em minha direção, com um olhar vidrado e uma arma em punho. Uma obstinação sombria para me matar. E então eu entendi: Dor. Dor torturou de formas tão crueis Perseverança que esta, ao ver-se livre, resolveu caçar aquele que seu captor disse que era o culpado.

Eu. Mas eu a matei.

E eu sabia quem mais Dor iria conquistar para seu lado tão logo eu matasse Perseverança. Matar um Eterno como Perseverança era considerado hediondo. Mas eu o fiz, porque era minha única opção. E era por essa outra companhia que minha mente estava parada. Palavras sem sentido saíram de minha boca no momento em que prometi que não enterraria minha Lâmina em outro Eterno até que a culpa deixasse minha mente descansar.

-Esse não foi o fim que eu planejei. Mas as circunstâncias fizeram as coisas diferentes. Despeço-me... Amor.-e virei as costas.

E, em minha cabeça sombria, os olhos do verdadeiro Senhor das Sombras piscaram pela primeira vez desde que eu o fiz parte de mim.

Dentro de mim, o mal tinha despertado.

Deathmarks V: Ride the Sky

-ORGULHO!-berrou Lucifer, enfurecido.-VOCÊ OUSA DESAFIAR AS REGRAS EM MINHA CASA!!!

-Não seja tolo, Lucifer.-respondi.-Eu jamais desafiei regra nenhuma. Sabes muito bem que, uma vez fechada, se eu estiver inteiramente atrás da porta, jamais poderei passar por ela. No entanto, essa Lâmina é tão parte de mim quanto meu braço. E ela atravessou a porta. Então, cá estou. Eu e seu irmão.

-Raziel. Muito bem, Orgulho. Você sobreviveu... à primeira parte. Não esqueceu do resto, esqueceu?

Moderei minha expressão facial para não dar a Lucifer a satisfação, mas sim, eu tinha esquecido. Buscar alguém no Inferno é como entrar em um presídio sem guardas. Você entra e abre a cela que quiser, mas, no momento em que faz isso, você dá direito a todos os policias do país lhe prenderem. Agora imagine que "prender" significa matar, "policiais" significa "demônios" e "país" significa "Inferno". Ah, com dois adicionais: primeiro, todos REALMENTE querem pegar você.

Segundo, todos sabem onde você está. Exatamente.

-Não posso intervir diretamente... mas você sabe o quanto eu quero que você falhe.-disse ele.

-Não se preocupe, Lucifer. Eu não irei falhar.

-Um dia eu vou assistir a sua queda, Orgulho.

-Seria justo, já que eu assisti à sua.

O rosto de Lucifer contorceu-se de ódio.

-Não tenho mais tempo a perder. Vamos, Raziel.

Coloquei o anjo nas minhas costas e então saquei minha Lâmina. Eu vi, ao longe, incontáveis sombras vindo na minha direção. Sentia o calor da raiva emanando de Lucifer. Ele não podia intervir diretamente, mas eu entendi instantaneamente o que ele fez.

Ele ofereceu minha "alma" como recompensa pela minha captura.

Bom, decidi fazer valer a pena.

Minhas asas abriram-se e então voei na direção dos portões. Assistir uma perseguição dessas é como assistir um tubarão ser perseguido por dois bilhões de piranhas. Ok, o tubarão é maior.

Mas são dois bilhões.

-Raziel. Você está livre. Eu vou precisar que use pelo menos alguns de seus poderes.-disse eu.

-Não sei se consigo...

Ótimo. Eu carregava como peso morto um dos 7 maiores anjos da história do universo.

Voei o mais rápido que pude, enquanto as sombras se aproximavam de mim. Minha Lâmina começou a chamar-me para o combate. Eu queria, mas seria uma vitória impossível. Os primeiros demônios chegaram até mim, mas enquanto o enxame não chegasse, eu estava salvo. Decidi usar eles como exemplo para alguns dos outros.

Com uma investida lateral, usei minha lâmina para cortar a asa direita do primeiro. Outros dois mergulharam em minha direção, mas as suas próprias sombras os cegaram e então, eles colidiram. Um quarto ainda tentou golpear meu pescoço, mas eu consegui escapar do ataque e então cortar seu longo pescoço.

E então chegaram os primeiros pequenos enxames. E minha paciência acabou.

Usando as sombras ao redor, eu criei uma gigantesca onda de choque. As sombras solidificaram-se, colidiram contra os enxames e então explodiram em milhares de "mini-rochas feitas de sombra". O enxame que estava próximo diminuiu. No grande enxame, não mudou nada. Mas aquilo consumiu demais de mim. Eu não seria capaz de fazer de novo.

Minhas asas aceleraram o voo e eu finalmente enxerguei ao longe os portões. O enxame ainda me perseguia, mas agora eu poderia livrar-me deles... se estivesse disposto a me arriscar. Até o momento, eu não estava. Mas a coisa ficou feia.

Pesadelos.

Sim, os malditos cavalos com as patas em chamas. Os desgraçados correm mais do que qualquer coisa que eu já vi na vida (e minha vida é longa). Decidi descer até próximo do chão. Sobre eles, Algozes, aqueles que o inferno manda quando a coisa fica difícil. Eu estou ferrado. Mas vou dar trabalho.

Arremessei minha Lâmina em um Algoz, que cravou no escudo posto em frente pelo demônio. Era exatamente o que eu queria que ele fizesse. Teletransportei-me até a Lâmina, arranquei-a do escudo e então cravei na cabeça do Abissal. Um a menos.

Assumi as rédeas do Pesadelo. Sim, eles são poderosos, mas não são muito inteligentes e nem dão bola para seu cavaleiro.

-Corra mais que os outros ou eu irei degolá-lo e drenar sua energia para que não sobre nada de você. Nunca mais.

Pesadelos são de elite. E, pra elite, missão dada é missão cumprida.

Tão logo fechei os Portões do Inferno, decidi apropriar-me do tal Pesadelo.

Deathmarks IV: Dying for an Angel

Eu sabia o tempo que eu tinha.

Mas eu sabia onde ele estava.

Algo muito interessante sobre anjos, demônios e alguns Eternos, é que nós temos um sentido a mais (que pode ser considerado como dois, na realidade). Nós somos capazes de perceber auras. A aura (da forma como nós percebemos), por definição, é a energia que emana de uma determinada entidade que TENHA TIDO alma e que tenha uma centelha de vida. Vampiros, humanos, espíritos, demônios, lobisomens, anjos... todos tem aura. A intensidade de uma aura varia com o poder da entidade que a possui: o que significa que a de Raziel era extraordinariamente intensa.

E esse seria meu faro.

É claro que quando você lida com um lugar como esse, auras são EXATAMENTE como cheiros. Eles se misturam. Ignorei os pedidos de ajuda: todos sabiam que eu estava ali para salvar alguém. Mas não sou um anjo, eu não trago salvação.

Eu trago a ruína. Pelo menos hoje.

E então minhas asas cortavam os ventos e seguiam em direção ao que eu tinha farejado. Meu tempo estava chegando à metade, mas eu estava perto. Eu podia vê-lo, amarrado por correntes à duas grandes pilastras. Parecia estar desmaiado e balbuciava pedidos de ajuda.

Pousei à sua frente.

-Pedes ajuda, Raziel? Há quantos anos?-perguntei.

-Não tenho ideia. Não sei quanto tempo passou. Porque?-disse ele, com voz rouca e cansada.

-Estou aqui, querubim.-disse eu, e rompi as correntes com minha Lâmina.-Temos pouco tempo.

Voei de novo, com o anjo em meu ombro. Usei minha força máxima para voar, mas eu sabia que talvez não desse tempo. Decidi arriscar. Eu já podia ver os portões, mas faltavam apenas alguns segundos conforme a distância diminuía, mas jamais daria tempo. A regra é clara: se nenhuma parte de mim que entrou comigo passasse na volta, então eu estaria trancado.

Meus olhos miraram e então fiz a coisa mais desesperada que poderia. Atirei uma parte de mim.

E a porta se fechou.

-Ah, esperei tanto tempo por isso, Orgulho.-disse Lucifer, na câmara onde a porta estava fechada.

Os olhos de Lucifer olharam de forma estranha para as sombras que se moviam no chão da sala, próximo a onde um pequeno objeto estava cravado.

-Eu imagino.-respondi, pegando minha Lâmina Eterna do chão da sala.-Raziel quer dar um oi para você.

Oh Brave Old World...

Há três anos e meio atrás, aconteceu algo que, DEFINITIVAMENTE, mudou a forma como eu iria ser.

Eu já tinha, como hábito, escrever, mas ainda não tinha motivos para isso. Nunca pensei que pudesse mudar alguma coisa, na realidade, mas tão logo comecei a pensar no assunto, decidi que talvez fosse legal espairecer um pouco sobre as coisas que me incomodassem.

E então eu vi um de meus melhores amigos, dono de "um certo blog Brave New World". Gostei da atmosfera a da ideia, e humildemente me ofereci para postar junto. Fui aceito.

E aí as coisas REALMENTE mudaram.

O bom e velho Brave New World foi uma das coisas mais decisivas que já me aconteceram. Me ensinou a refletir, a me preparar para tudo (mas esperar o pior)... foi lá que eu finalmente consegui ENXERGAR meus sentimentos, OUVIR os gritos de minha alma, LER as palavras que minha mente queria que fossem ditas. Foi lá que eu aprendi a fazer o que faço aqui, e foi lá que eu deixei marcas que talvez nunca deixarei neste meu humilde novo inferno. Talvez não seja possível acreditar como um blog pode mudar tanto a vida de alguém, mas se as pessoas conseguem acreditar que a vida delas muda quando elas pedem coisas para alguém cuja existência é incerta e não sabida, é provável que uma página na internet na qual você escreve e diz o que sente seja plenamente capaz de fazer o mesmo...

Mais que isso: eu nunca estava realmente sozinho no Brave New World. Meu Dark Harlequin's Tales certamente nunca me deixou na mão, mas no Brave sempre existia uma sombra ao meu lado. Talvez nem sempre presente da mesma forma ou na mesma intensidade, mas ela era constante. As postagens duplas, o "portão de entrada" e a postagem de encerramento: coisas que aconteceram lá, dentre as sombras daquele mundo bastardo. Meus poemas, minhas lamúrias, meus exorcismos. Meu antigo nome, "The Forsaken". Coisas que pertencem ao passado, mas estão presas para que não fujam. Meu (não somente meu, mas também meu) zoológico de horrores, circo de aberrações.

Meu (não somente, mas também) Admirável Velho-Novo Mundo.

De alguém que muda de endereço, mas nunca esquece de onde veio,
The Forsaken Dark Harlequin.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Deathmarks III: Folsom Prison Blues

E lá estava eu de novo, asas abertas em direção ao Inferno. Eu precisava de alguém de lá, a única coisa suficientemente poderosa e tão acessível.

Há milhares de anos atrás, a cisão entre os anjos custou muito ao Paraíso. Os maiores custos foram: a queda de Lucifer... e o aprisionamento do antigo Príncipe dos Querubins, Raziel.

Lucifer foi cruel. Ele arrancou as asas do próprio irmão mais novo e então levou-o ao Inferno. Raziel nunca aceitou juntar-se ao irmão traidor e, como punição, é mantido nas Areias Infinitas, uma região prisional anexa ao Inferno e que, aparentemente, tem fim onde começa. Ninguém consegue entrar sem abrir a porta e ninguém consegue sair depois que ela fecha. O funcionamento é simples: abra a porta e entre. Consiga o que quiser e então volte. Se voltar a tempo, desfrute de sua conquista.

Se não, você terá a eternidade para lamentar.

Encarei os portões do Inferno e então abri-os. O guardião das chaves veio questionar-me.

-Então, o que traz você de vol...-começou ele, mas foi interrompido.

-Eu resolvo isso.-disse o próprio Lucifer.-Orgulho. Pensei que eu tivesse expulsado-o de minhas Terras e proibido seu retorno a elas.

-Lucifer.-disse eu, formalmente.-Meu objetivo aqui é outro. Eu vim buscar alguém nas Areias.

Lucifer sorriu.

-Nesse caso, e somente porque sei que não retornarás a tempo, deixo-o livre. Guardião, conduza-o até a prisão. E faça questão de me chamar quando ele tiver falhado. Quero ver Orgulho em desgraça.

-Não o culpo, Lucifer, mas lamento muito por isso.

O Guardião conduziu-me às portas da prisão e abriu-as. Eu sabia o que encontraria depois daquelas portas.

Nada. Somente areia.

-Aquele que você procura está aqui?-perguntou o Guardião.

-Já posso sentir sua presença.-respondi.

Raziel, não se preocupe.
A libertação finalmente chegou para você.